Gostaria de chamar a atenção para esta notícia do
Jornal de Notícias, relativa à entrada em vigor da nova lei que prevê o ensino de música e outras disciplinas no 1º Ciclo. Em essência, a situação resume-se a:
- O Ministério da Educação cria um suplemento lectivo para o 1º Ciclo de duas horas diárias, reservado a disciplinas como Inglês, Educação Física, Música e Apoio ao Estudo;
- Estas aulas são facultativas, e a sua organização está à responsabilidade das Autarquias, que recebem do Governo um apoio anual por aluno (que ronda, creio, os 250 €);
- A leccionação destas disciplinas é da responsabilidade de docentes contratados em regime independente, ou seja, a recibos verdes, mas contam anos de serviço para efeitos de concurso
- O preço pago por hora a cada docente não foi estipulado, nem segue as tabelas de remuneração oficiais;
A tudo isto, acresce que:
- As aulas são em simultâneo em todas as escolas no período lectivo correspondente (15.30h - 17.30h)
- O regime geral de funcionamento destas disciplinas é o de um ATL - Actividades dos Tempos Livres. Os alunos não são sujeitos a uma avaliação concreta, um programa definido, nem os docentes integram as restantes actividades pedagógicas, como reuniões de notas, conselhos de Grupo, etc.
- Estas medidas são defendidas como válidas para a implementação de
Ensino Artístico no 1º Ciclo.
- As autarquias contratam os professores directamente, ou pagam a empresas para o fazerem, que servem apenas como intermediárias.
Toda esta situação é da maior gravidade, e não lhe podemos ficar indiferentes, enquanto estudantes e eventuais profissionais de música.
- A simultaneidade dos horários nas escolas implica que cada docente possa apenas leccionar (na melhor das hipóteses) 10h semanais, divididas por cinco dias, e pagas em regime de "leilão";
- A contabilização dos tempos de serviço actua como contrapartida aliciante, incentivando à aceitação incondicional destas condições indignas de docência;
- Autarquias e empresas contratantes não dispõem dos meios nem aptidões necessários à fiscalização das habilitações dos docentes, e nem sei se as habilitações exigidas são as de lei; assim, incorre-se no risco de serem contratadas pessoas de formação e aptidões duvidosas para o ensino da música em geral, e do 1º Ciclo em particular, com consequências dramáticas no interesse e motivação dos alunos para a aprendizagem da música.
- As empresas "contratadas para contratar" ficam com 50% ou mais do dinheiro destinado aos docentes, sem assumirem quaisquer encargos nem terem de prestar contas sobre quem contratam e como, actuando apenas como intermediários parasitas.
- Este modelo de
Ensino Artístico (sem programas, facultativo, sem docentes aptos, sem lugar no horário, sem exigências curriculares, etc., etc.) contribui ainda mais para a já enraízada ideia cultural de importância secundária das artes, relativamente às outras disciplinas. Como agravante, é uma ideia agora praticada desde o 1º Ciclo.
- A aprendizagem da música é reservada para o final do dia, quando as crianças estão saturadas das aulas, iniciadas logo de manhã.
Não me alargarei mais sobre este assunto. Apelo a uma mobilização geral de estudantes, professores e amantes de música para boicotar este modelo de ensino e este tratamento indigno da arte musical em geral. A meia dúzia de tostões furados paga à hora, ou a miséria de horas contabilizadas para efeitos de tempo de serviço não compensa este desrespeito à actividade musical enquanto profissão, nem justifica o prejuízo futuro resultante de um
Ensino Artístico traumatizante e incompetente.
Mais informação sobre este assunto:
Consequências das Actividades complementaresAlguns comentários úteisOrganização do Ano lectivo 2006/7